Um grito no fundo do abismo
Isto já aconteceu faz quarenta e dois anos. É uma história ingênua, fala sobre um homem do estado do Acre que certa vez adormeceu com as costas apoiadas em uma seringueira. Seu desvio de septo o fazia respirar quase que assoviando, e ao fazer isso, inconscientemente e sem qualquer pretensão, ele entrou em um estado de alfa que o fazia canalizar a energia de seu corpo, amplificada pelos poderes pouco conhecidos da árvore em questão, e ele percebeu-se sendo possuído por um ser cujo tamanho era gargantuano, maior até que um continente, e anterior à própria formação do mundo.E aquele ser dormia. Apenas seu sono interagia com o sono do homem e, pobre criatura, o homem não poderia ter outro destino senão a morte.
Uma coisa é o sonho e o pesadelo de um homem, mas dentro de um homem não cabe o sonho(ou pesadelo) de algo etéreo tão poderoso e indubitavelmente maligno. Aquele ser, pensava em coisas confusas. E o homem via. O homem via uma cidade aonde as pessoas eram boas e o chão esquentava ao ponto de matar tudo o que havia acima dele. Era aquele ser cósmico que causava aquilo. As pessoas morreriam, mas não era a morte o seu desejo, então elas sentiam a morte, seu desespero,mas ela jamais vinha. E nesta insuportável ausência de um fim, gritavam, loucas. Tiravam com as unhas a pele do rosto, arrancavam seus próprios olhos, mutilavam as línguas com os dentes, num êxtase terrível aonde os edifícios derretiam como gelo sob o sol.

Ninguém jamais ouviu seu grito, pois estava oculto pelo rosto sereno de um homem que morrera de maneira gentil, com as costas apoiadas numa velha seringueira.
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